quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Uma tarde qualquer

Era um dia como todos os outros, ele estava caminhando como sempre as três da tarde, o santo ofício de comprar pão. Caminhava apressado, pra chegar logo e assistir o novo episódio da sua série favorita. No job, no future; só lhe restava o ego e seus tolos rituais. Era o que lhe mantinha em pé, o bom e velho ego. Contava as moedas em suas mãos, tinha certeza que daria pra comprar os oito pães. No meio do caminho observava as pessoas trabalhando e isso o fazia sentir-se mal. Ou você é um consumidor ou é um parasita diz o sistema. Ele sabia que era um parasita, e que isso não duraria pra sempre. Lembrava-se de tudo, das empregos que teve, das broncas, de ter de acordar as seis da manhã. Um gosto amargo percorreu sua garganta... "melhor esquecer isso" pensou. Então entrou na padaria, logo todo mundo olhou pros seus tênis velhos e sujos, a velha com ar de socialite fez cara de nojo, a menina   com a mãe comentou em voz alta sobre o furo da sua camiseta. Oito pães ele disse, enfatizando o "s" na vã tentativa de mostrar que não era qualquer um, "um desses ignorantes", como gostava de dizer. Lá se foi, com o pacote na pão, seis pães no pacote, uma expressão de vergonha na face. O preço do trigo na Argentina subiu, argumentou o padeiro. Naquela hora o ego rachou. Chegou em casa, lembrou do rosto das pessoas na padaria olhando-o enquanto pedia pro padeiro tirar alguns pães do pacote. Depois lembrou que não tinha café.. que o açúcar estava acabando. As contas atrasadas jogadas na porta da garagem lhe chamaram a atenção. As suas roupas rasgadas e sujas, olhou pro próprio tênis. As garrafas de cachaça barata jogadas no quintal. A imagem da filha e da sua esposa que o deixou vieram a mente. "Foda-se tudo!!" -gritou. Abriu uma nova garrafa de cachaça, deu dois goles, lembrou de quando era criança e dizia a todos que seria um astronauta um dia, riu alto, desprezando a si mesmo, mordeu um pão sem nada, puro. com gosto de lágrimas. Foi até a cômoda, abriu a gaveta,  colocou o cano no céu da boca e deu dois tiros. Um dia como todos os outros.

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